terça-feira, 1 de junho de 2010

O ameno fato terrível
Adélia Prado (1935 - )

O que mais me lembra o Juízo
é um jardim ao meio-dia,
um jardim de rosas.
Cheirava-as como – descobri depois –
se cheira os homens,
odoroso mistério.
Um jardim caipira, o da minha casa,
estrelas do norte, cravinas, uma flor rosada
que desabrochava em pencas e até hoje só vi
nos canteiros dos pobres.
E rosas, rosas, rosas, o modo de minha mãe virar rainha:
‘para mim a rosa é a primeira das flores’.
Quando Deus vier,
quem nunca se permitiu a consolação das flores,
será tomado de uma ânsia de vômito;
porque o sinal será um perfume de rosas,
um perfume intensíssimo
um odor tal que transtornará o tempo
e atrairá os demônios exsudando ira.
O que mais me lembra o Juízo
é um jardim ao meio-dia,
um jardim de rosas.

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