terça-feira, 15 de junho de 2010

Fugitivo da Guerra da Coreia torce pelo Brasil

Fonte:VejaSP
De uniforme, dentro do campo de refugiados, em Pusan:
garantia de comida, abrigo e segurança.


Típicos de qualquer torcedor, os momentos de ansiedade que antecedem a estreia da seleção na Copa do Mundo serão mais intensos para Moon Myong Chul. Isso porque às 15h30 desta terça (15), quando o juiz apitar o início da partida entre Brasil e Coreia do Norte, esse pastor presbiteriano de 79 anos recordará seu passado ao vivenciar um fato inédito. Vai assistir pela primeira vez a um duelo entre jogadores da nação que dizimou sua família e outros do país escolhido para chamar de seu. “Embora ainda ame minha terra natal, apoio a equipe verde e amarela”, entrega, para depois explicar o motivo. “Gratidão à hospitalidade com que fui recebido pelos brasileiros.”

Mesmo recheada de capítulos tristes, a história de Moon é vitoriosa. A começar pela escapada do exército comunista nortecoreano. Na tarde de 2 de agosto de 1950, menos de dois meses após a eclosão da Guerra da Coreia (1950-1953), ele teve sua residência, em um vilarejo próximo à fronteira com a China, invadida. “Fui tirado à força da sala de casa”, lembra, com a voz embargada.

Aos 19 anos, o jovem — filho único de uma família cristã — estava em casa ao lado da mãe, Han Kyi In, e do pai, Moon Byung Kwon. “Os soldados invadiam e saqueavam as propriedades, levando os meninos mais novos para o campo de batalha.” Três meses depois do ocorrido, no entanto, ele conseguiu fugir dos militares. Passou dias de fome, sede e frio escondido em montanhas, até ser encontrado por soldados da Organização das Nações Unidas (ONU). Foi a salvação. “Segui para o campo de refugiados em Pusan, no sul da ilha, onde estava protegido.”

Com a Bíblia presenteada por uma enfermeira, iniciou seu trabalho de evangelização de presos, soldados, mecânicos... Para preservar seu instrumento de trabalho, cortou a barra da calça de brim preta e fez dela uma capa para o livro sagrado. Até hoje mantém o exemplar, como um talismã. Também guardou uma calça do uniforme cáqui sem nunca ter sido usada. O objetivo era mostrá-la aos pais quando o conflito cessasse. “Eles ficariam felizes, pois não tinham dinheiro para me comprar uma igual.” Não sabia que nunca mais iria vê-los.

Com o término da guerra, foram dadas a ele três opções: voltar à Coreia do Norte, permanecer na Coreia do Sul ou partir para um país neutro. Escolheu a última. As alternativas eram Brasil, Argentina e Índia. “Antes de chegar aqui, morei dois anos em Jabalpur, na Índia, para aguardar a autorização de entrada do governo brasileiro.” Nesse período, ele estudou na universidade Leonard Theological Seminary. Era considerado apátrida, uma vez que negou o governo comunista e desprezou a cidadania sul-coreana. “Não tinha clima para ficar na ilha”, diz. “Meus pais, tios e avós haviam sido todos assassinados.”

Nascido em família humilde, cuja sobrevivência dependia da agricultura de subsistência, Moon não veio sozinho para o Brasil. Desembarcou no Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1956, aos 25 anos de idade, ao lado de 49 conterrâneos também sobreviventes da guerra. No passaporte deles constava “nacionalidade indefinida”. Ao chegarem aqui, ganharam cidadania brasileira. “Recebi um convite para estudar na Universidade Metodista uma semana depois”, lembra. Tomou um ônibus para cá com a sua mala de 30 quilos. Trazia um cobertor, um travesseiro, dois exemplares da Bíblia e poucas mudas de roupa.

Seis anos mais tarde, graduou-se em teologia e tornou-se professor da instituição, onde viria a se aposentar. Mais tarde, lecionou em faculdades dos Estados Unidos, da Rússia e do Japão. Sua única filha, fruto de seu primeiro casamento, vive nos Estados Unidos. Hoje, Moon mora em um apartamento confortável no Bom Retiro, decorado com bibelôs trazidos dos mais de sessenta países que visitou. Divide o espaço com sua segunda mulher, Kim Kun Joong. “Mas pode me chamar de Rebeca”, afirma ela, sempre sorridente. Os dois fazem trabalho comunitário de catequização, jogam golfe, praticam natação e pescam. Quase sempre juntos.

Do grupo de cinquenta norte-coreanos que se mudaram para cá, apenas dezoito estão vivos (doze moram na Grande São Paulo). Exceto o corpo consular da Coreia do Norte, nenhuma outra pessoa veio para cá desde então, segundo o consulado do país asiático. Para efeito de comparação, os primeiros sul-coreanos só chegaram ao Brasil, via Porto de Santos, em 1963. Hoje, essa comunidade tem 50 000 pessoas, 90% delas instaladas na cidade de São Paulo.

Moon se considera um homem de sorte por ter saído “do país mais fechado do mundo”. Prestes a se completarem sessenta anos do início da Guerra da Coreia, no dia 25 deste mês, os 23 milhões de habitantes de lá ainda não podem ler livros estrangeiros, não têm acesso à internet e, privação das privações, passam fome — 3 milhões de pessoas morreram de inanição no fim dos anos 90. “Tem como não torcer para o Brasil na Copa?”

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