Obedecendo a Deus, não a homens
São Marcos 7.1-8
Estamos diante de um embate ideológico e teológico. De um lado, escribas e fariseus, do outro Jesus. Os escribas eram pessoas especialistas nas leis. Eles interpretavam, estudavam e ensinavam a lei. Eles eram responsáveis pelo ensino da tradição que haviam recebido de rabinos de geração em geração. Os fariseus eram aqueles israelenses que chamavam para si a responsabilidade de viver tudo o que os escribas diziam e ensinavam. Escriba era quase que uma profissão, fariseu era uma seita, um grupo separado.
A princípio, avaliando a função dos escribas e a disposição dos fariseus, nada de mal há nelas. São pessoas que lutam por preservar sua história ensinando-a e cumprindo-a. O grande problema é que escribas e fariseus haviam colocado as interpretações da lei acima da própria vontade de Deus na lei, ou seja, uma regra feita por homens estava acima da vontade de Deus. Os rabinos haviam dividido a Lei Mosaica, a Torá, em 613 decretos distintos, com 365 deles sendo proibitivos e 248 orientações positivas. Em cima destes decretos, eles ainda desenvolveram distinções do que era permitido e o que não era permitido. Por meio destas distinções, os escribas e fariseus procuravam controlar todos os aspectos da vida do judeu e seus detalhes de conduta: os sábados, viagens, jejuns, comércio, relações interpessoais, etc. Eram tantas as distinções das leis e suas interpretações, que tornou-se impossível ver a própria lei de Deus.
É diante de uma destas distinções, a de purificar as mãos antes de uma refeição, que os fariseus e escribas questionam Jesus acerca da observância da lei por parte de seus discípulos. Judeus, os discípulos e Jesus, deveriam observar as leis e segui-las. Porém, o que Jesus apresenta como resposta é um ponto de reflexão para os escribas e fariseus e para nós hoje. Jesus cita Isaías 29.13 fazendo um paralelo da crítica do profeta em seu tempo com o que acontecia no tempo de Jesus. As pessoas que ensinavam a lei de Deus haviam esquecido sua essência e razão e colocavam cada vez mais empecilhos e dificuldades, como um fardo pesado e elas mesmas não observavam esses preceitos. Eram hipócritas, ou seja, usavam máscaras, se faziam de pessoas corretas e entendedoras, mas seus corações estavam distante da vontade de Deus.
Olhando para a nossa realidade hoje, podemos ver que muitas pessoas querem colocar entre Deus e a humanidade uma serie de regras e padrões que não foram pedidos por Deus. Deus fala ao coração do ser humano de maneiras diferentes e de formas diferentes, daí a diversidade de culturas e formas de se viver como Igreja e comunidade. Mas Deus não nos pede que sejamos robôs, condicionados em nossa maneira de falar e agir, como se cristão só fosse capaz de falar de uma maneira e agir de uma maneira. Deus nos mostra, na história da humanidade, que ele mesmo chamou as mais diversas pessoas, de diferentes níveis culturais e de cabeças e maneiras de pensar diferentes para anunciar a sua vontade. Jesus, seu filho, chamou doze homens para serem seus discípulos. Doze homens diferentes, até mesmo antagônicos, contrários em sua maneira de pensar, mas que nem por isso deixaram de conviver juntos e aprender do mesmo mestre.
Nossa igreja é fruto do suor, sangue, joelhos dobrados e braços dispostos ao trabalho de gerações e gerações. Elas podem não ter acertado em tudo, mas fizeram tudo o que estavam ao seu alcance para mudar a história de seu tempo pela mensagem do evangelho. Hoje, olhando para o passado, talvez tenhamos a sensação de que estamos perdendo parte de nossa tradição presbiteriana, ou que muitos tem aberto mão dela por conta das influências do meio evangélico. Posso afirmar que há em nós a necessidade urgente de alinharmos as tradições que temos com a vontade de Deus. Você deve se perguntar que tradições nós presbiterianos independentes temos. Somos conhecidos por nosso empenho no estudo, não só bíblico, mas em todas as áreas de conhecimento. Somos conhecidos pelo valor que damos à nossa liturgia e a dinâmica de nossos cultos. Somos conhecidos pela nossa disposição ao diálogo com outras tradições religiosas, fraternalmente cultivada no espírito ecumênico. Nada disso pode se perder, mas também não podem ser estes o fim em si mesmos da Igreja. A principal tradição que temos a de questionar nossas tradições face a palavra de Deus.
Concluindo, Deus nos chama para olharmos para nossas tradições e vermos se elas estão aproximando as pessoas de Deus ou afastando-as. Não temos que trocar a nossa tradição por outra, temos que vivê-las conforme as verdades bíblicas. Quando realinharmos nossas tradições, fundamentadas na palavra, com nosso comportamento fundamentado na palavra, viveremos a vontade de Deus. Assim, obedeceremos a Deus e não a homens. Nossa história foi construída por homens e mulheres, mas Deus foi quem os orientou, agora é a nossa vez, vamos nós fazer história e marcar a nossa geração com uma vida nos padrões de Deus.
Que Deus nos abençoe.
Rev. Giovanni Campagnuci Alecrim de Araújo
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