Miserê
Pode-se pensar que a miséria é algo distante de nós, ou quem sabe tão próxima e constante a ponte de ignorá-la a todo instante. A miséria pode estar em qualquer lugar, não respeita cor, credo, classe social, padrões ou regras.
Morando em um barraco próximo a avenida das Juntas Provisórias, José, que sobrevive catando papelão e correndo atrás de um serviço qualquer que lhe renda um trocado, não pretende mudar de vida. “Aqui tenho tudo que pedi a Deus” , diz orgulhoso apontando para um colchão jogado no chão, cercado de ratos e um aparelho de TV ao lado do fogão improvisado em tijolos. Para ele, a vida está boa desta forma, não pretende mudar nada, ganha seu trocado para tomar uma pinga no fim do dia e, segundo ele, “muié não falta!” . Conhece o mundo pela TV, nunca foi além da cercania do Heliópolis e da Vila Carioca. Contenta-se com a vida que leva.
Quilômetros de distância dali, num apartamento duplex de frente para o Parque do Panamby, Antônio Joaquim, Joca, como é chamado pelos colegas de faculdade do curso de Design Gráfico na Anhembi-Morumbi, vive sem se preocupar muito com o que acontece ao seu redor. Desde pequeno foi acostumado a receber dos pais tudo o que necessitava, o que não conseguia, sem o menor esforço, comprava. Assim cresceu aprendendo que na vida tudo se compra: o carro, a carteira de motorista, a nota na faculdade, o trabalho, a vaga e principalmente bebidas e mulheres. Desconhece falta de recurso, guerra no Iraque, inflação, aumento de preço, salário mínimo e fila de hospital. Para ele a vida está boa desta forma, não pretende mudar nada, tem dois cartões de créditos internacionais com limites altos o bastante para sustentar sua rotina de festas, compras de trabalhos pra faculdade e abastecer a geladeira de cerveja e o carro de gasolina. Conhece o mundo pela Internet e também pelas viagens de férias com os pais, uma vez por ano. Contenta-se com a vida que leva.
A miséria não escolhe vítima, ela age em qualquer dimensão, ninguém está livre dela, podemos resistir, lutar, batalhar, seremos sempre mais um José, mais um Joca, mais um miserável.
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