quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quando você não é o menino mais inteligente da classe

por Adriano Silva

Isto já aconteceu com você:

Há quem, numa conversa com a gente, coloque o dedo num ponto central que estávamos guardando como segredo o tempo todo. Você tinha montado o seu discurso de modo a tergiversar sobre a sua posição acerca de um assunto qualquer que por qualquer motivo não estava a fim de revelar, nem de sustentar, nem de falar a respeito. E, do nada, como que por acaso ou sem querer, seu interlocutor deixa claro, numa resposta, embora de modo não explícito, que derrubou a sua cidadela, que enfiou um periscópio na sua intimidade, que decifrou seu código, que sacou exatamente aquilo que você não queria que ele soubesse. O sujeito não afirma frontalmente, para não parecer por demais antipático nem causar excessivo constrangimento, mas coloca no bolso do seu casaco a letra de que lhe desnudou diante de você mesmo. Ainda que ele tenha a elegância de fingir olhar para outro lado enquanto você se debate para encobrir de novo seu segredo, o fato é que ele lhe aplicou um tuchê. Você tinha a bola dominada e ele a roubou de você na boa, com um drible arguto que o deixou sentado no gramado.

Isto também já aconteceu com você:

Há quem, numa conversa com a gente, coloque o dedo num ponto sobre o qual não estávamos nos dando conta. Quando isso acontece, sacamos ali que o sujeito simplesmente enxergou primeiro algo que nós inexplicavelmente não estávamos vendo. Não sabemos direito, numa situação assim, se agradecemos o sujeito ou o odiamos por isso. Faz-se ali a luz – graças a ele, não a você. O meme que ele propõe é mais forte que o nosso. Seu jeito de ver as coisas, sua síntese, suas conclusões – tudo nos ultrapassa, ali, bem à nossa frente. E somos então compelidos a trocar a nossa reflexão pela dele. A adotar o seu ponto de vista. Poucas coisas geram mais ódio num sujeito com alguma autoestima intelectual do que isso – dar o braço a torcer diante de uma linha de raciocínio de nossa própria lavra que se mostra equivocada ou menos poderosa do que imaginávamos. Trocamos de opinião – à fórceps. E ficamos inevitavelmente com uma expressão parva ou momentaneamente de calças curtas, vestidos como colegiais.

E isto também já aconteceu com você: Há também quem, numa conversa com a gente, diga algo, solte uma frase que só vamos entender mais tarde. Na hora, aquilo não faz sentido. Não encaixa, nosso radar não capta, nem sequer compreendemos (porque não estamos preparados para entender aquela mensagem ali, de improviso.) De modo voluntário ou não, de modo consciente ou não, esses raros sujeitos tem o dom de nos traduzir, e de nos jogar muitos metros adiante – num ponto avançado, num ponto futuro que só vamos alcançar mais tarde, se tivermos sorte. Esses caras costumam virar nossos ídolos, costumamos elegê-los como nossos mentores – se formos inteligentes.

Tudo isso para dizer: tem gente por aí mais inteligente que você. Sempre tem. Não seja burro a ponto de ignorar isso. Nem de deixar de tirar todo o proveito que puder desses encontros imediatos de terceiro grau.

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