quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A singularidade e a solidão

Já fui um “singular” por um bom tempo quando deveria ser “plural” – aos padrões na vida de um pastor. Por dez anos tentaram de todo o jeito me arrumar uma “Frau Pastor”. Em todo o caso, o tema da IELB neste ano caminha num terreno sensível. Afinal, o assunto é de gente solteira quando deveria estar casada. Deveria? De pessoas divorciadas, viúvas, sozinhas. Sozinhas? De gente diferente. Diferente? O assunto mexe com conflitos, situações mal resolvidas, preconceitos. O tema indiscretamente entra no quarto da privacidade, e cutuca o fantasma da solidão.

O singular só
O poeta inglês e solteirão Rupert Brooke (1887-1915) sentia-se extremamente solitário. Conta a história que certa vez, numa viagem de navio, todos no convés tinham alguém para se despedir, menos ele. Observando aqueles abraços, beijos e despedidas, desejou ter alguém que percebesse sua falta. O poeta vislumbrou um jovem e perguntou seu nome. “William”, foi a resposta do rapaz.

- William, você gostaria de ganhar algumas moedas?

- Claro que sim! O que devo fazer?

- Apenas acene para mim quando eu partir, instruiu o poeta solitário.

Mais tarde relatou:

- Algumas pessoas sorriam e algumas choravam, algumas abanavam lenços brancos, outras abanavam chapéus. E eu? Eu tinha William que, por poucas moedas, abanava seu enorme lenço vermelho e impedia que me sentisse completamente só.

Singular, mas não só
Para alguns a solidão é uma procura. O navegador Amyr Klink, em seu livro Cem dias entre o céu e o mar, descreve algo intrigante: “Passados dois meses, comecei a pensar no sentido da solidão. Um estado interior que não depende da distância nem do isolamento, um vazio que invade as pessoas e que a simples companhia ou presença humana não podem preencher, solidão foi a única coisa que não senti depois de partir. Nunca. Em momento algum. Estava, sim, atacado de uma voraz saudade”.

O cronista Pedro Bondaczuk lembra que dentro da própria vida matrimonial, os cônjuges podem ser singulares: “Há, porém, uma forma de solidão mais comum e muito mais incômoda e dolorosa. Não raro, ela deixa marcas profundas em nossa mente e é causa de grande sofrimento, que se transforma em complexos de inferioridade, neuroses, psicoses ou coisas piores. Tem motivado, inclusive, tragédias, como agressões físicas e morais, assassinatos, suicídios, etc. Refiro-me à chamada solidão a dois”.

O Singular dos singulares
Jesus foi o singular dos singulares: “Meu Deus, por que me abandonaste?”, gritou na cruz o Homem mais solitário do mundo. Pensando bem, o sentimento de estar abandonado tem raiz bem mais profunda do que aquelas desenterradas em divãs. Foi o que descobriu Davi na singularidade do poder: “Ó Deus, olha para mim e tem pena de mim, porque estou sozinho e aflito” (Salmo 25.16). Agostinho, o famoso teólogo do século três, no esconderijo da oração, confessou: “Tu nos formaste para Ti mesmo e nosso coração não tem repouso enquanto não descansa em ti”.

É importante perceber que, neste mundo cheio de gente, é na singularidade da reflexão que encontramos o Amigo de todas as horas. Ele mesmo recomendou: “Quando orar, vá para o seu quarto, feche a porta e ore em segredo ao seu Pai, que não pode ser visto” (Mateus 6.6). O Salvador também prometeu: “Nunca te deixarei abandonado” (João 14.18).

Pessoa singular! Ou você foi ou você é! Ou certamente um dia será!

Marcos Schmidt é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, em Mensageiro Luterano, Nº3, Ano 92, Março 2009

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