sábado, 14 de fevereiro de 2009

Um lugar tão cheio e tão esquecido

São Paulo, capital. Brás. Rua Oriente. 3h45 da manhã. Uma centena de pessoas corre de um lado para o outro arrumando mesas, puxando cordas, esticando fios elétricos. Em poucos minutos a rua Oriente está repleta de nordestinos, bolivianos e orientais, não me arrisco a dizer a nacionalidade e nem se os hermanos e os chineses são ou não legais no país. No início da rua Oriente um barracão onde funciona a feirinha da madrugada só faz jus à madrugada, de feirinha não tem nada. Não consegui dimensionar o tamanho daquele lugar. Depois de uma hora caminhando pelos apertados corredores daquele galpão, minha labirintite já começa a me afetar. Muita gente, um cheiro de comida azeda todas as vezes que cruzávamos uma barraca onde tinha um oriental, e um visitante ilustre que cruzou nosso caminho, um primo próximo do Mickey Mouse (onde tem um tem mil, diria um amigo meu). Do outro lado do galpão, uma fila de ônibus fretados aguarda que os visitantes retornem com sacolas e sacolas de compra.

Existem algumas peculiaridades naquele local , além da sujeira, dos imigrantes ilegais e da desorganização. É a origem daquilo tudo. Sem saber, milhares de pessoas estão consumindo produtos ilegais. Inclusive eu que estava ali. Mas você não precisa ir à rua Oriente para consumir produtos ilegais. Muitas daquelas pessoas que ali estavam são donas de lojas em shoppings e ruas de todo o país, inclusive em São Paulo, capital. Compram camisa pólo a treze reais e revendem a trinta e nove e noventa. Não tem como fugir. Não, isso não justifica a existência daquele local. Nem alivia minha consciência. Mas num país onde a sonegação e o roubo são exemplos dados pelos governantes, não é de se espantar que existam feirinhas espalhadas pelo país todo.

Por fim, algo que me chamou a atenção foi o rosto de cada pessoa ali. Bolivianos visivelmente decepcionados e cansados de estarem onde estão. Orientais visivelmente cansados por acordar tão cedo e sem o domínio da língua. Não conseguem explicar os produtos, não conseguem pronunciar uma palavra corretamente. Só conhecem a moeda e nada mais. Não raro você os encontra falando em seus idiomas nativos pelos corredores. Estas pessoas são esquecidas pelos seus governos, pelo nosso governo, por nós.

Às 5h25 saio do galpão e cruzo a rua Oriente em direção ao meu carro. Entro nele acompanhado da razão de ser disso tudo, minha esposa, que sempre me pediu para ir com ela lá. Realmente, foi uma madrugada impressionante. Eu não volto lá tão cedo na minha vida, mas não posso deixar de orar por aquelas pessoas e nem de pensar em como mudar aquela realidade. Existe esperança para elas? Existe esperança para aquela situação? Existe esperança para um país que vive ilegalmente? Existe esperança para um povo esquecido? A feirinha é um lugar que você não vai conseguir esquecer por um bom tempo, mas não deixa de ser um lugar esquecido.

Ó SENHOR Deus, até quando clamarei pedindo ajuda,
e tu não me atenderás?
Até quando gritarei: “Violência!”,
e tu não nos salvarás?
Por que me fazes ver tanta maldade?
Por que toleras a injustiça?
Estou cercado de destruição e violência;
há brigas e lutas por toda parte.
Por isso, ninguém obedece à lei,
e a justiça nunca vence.
Os maus levam vantagem sobre os bons,
e a justiça é torcida.

Habacuque 1.2-4 - com grifo pessoal

Rev. Giovanni Campagnuci Alecrim de Araújo

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