São Lucas 12.49-53
Olhar para esta passagem do Evangelho pode parecer-nos algo de incomum. Jesus, que ao nosso entender, e segundo o senso comum cristão, é o Senhor da Paz, diz claramente que vem trazer ao mundo divisão.
Entender tais palavras de Jesus sem laçarmos nossos olhos sobre os demais relatos do Evangelho seria, no mínimo, impróprio. Sabemos que, segundo os textos dos Evangelhos, Jesus caminhava em direção à cruz. Ele, que estava intimamente ligado ao Pai e cumpria sua vontade, sabia bem o batismo que Ele haveria de passar, e sabia as conseqüências que tal passagem pela cruz traria para Ele e para o restante da humanidade.
Ao afirmar que aqueles que habitavam sob o mesmo teto estariam divididos, Jesus nos mostra as conseqüências de segui-lo. Aquele que almeja cumprir a vontade de Deus e seguir os passos de Jesus deve saber que terá que enfrentar oposição. Não trata-se aqui de uma ode à "mania de perseguição" que determinados grupos religiosos cristãos gostam de enfatizar, mas trata-se de uma ruptura com estruturas e padrões que prendem e tornam o homem um animal domado nas mãos de famílias, padrões e instituições. Quem deseja seguir a Jesus não pode servir aos desejos de um conjuntos de regras, mas deve estar ciente que segui-lo implica denunciar estruturas que oprimem.
Interessante notar que Jesus faz uso da família para demonstrar tal oposição. Qual o motivo? Talvez porque a família fosse o berço do aprendizado cultural, religioso e social. Talvez porque fosse na família que se reproduzisse melhor o discurso dos que dominavam e oprimiam. Olhando para nossa família da fé, será que não é a igreja que nos educa e nos apresenta o Jesus que conhecemos? Não é a igreja que nos mostra como nos relacionarmos com Deus? Ou será que aprendemos sozinhos? Entrando na família Presbiteriana Independente, não é ela que nos dá parâmetros para vivermos nossa fé? Vindo para a família do Seminário, não é ela que nos dá as ferramentas para que nós possamos refletir acerca da nossa igreja, da nossa IPIB e da nossa fé? Precisamos perceber que Jesus, ao afirmar que haveria divisão a partir do momento que nós passássemos pela cruz, nos abre caminho para uma dura jornada em direção à esta mesma cruz. Quem quer viver o Evangelho de Jesus deve passar por ela.
Percebemos que Jesus, ao afirmar que pai estaria contra filho e filho contra pai, não se referia apenas a uma família, mas afirmava que aqueles que regem as instituições estariam contra os regidos, e os regidos contra aqueles que regem. Os mestres estariam contra os alunos e os alunos contra os mestres. Tal confronto torna-se inevitável quando uma das partes consegue entender a mensagem do batismo pelo qual Jesus passou. Somente aquele que passa pela cruz junto com Jesus pode diferenciar o que oprime do que liberta. No capítulo quinto de sua Teologia do Século XX, Rosino Gibelini nos diz que Bonhoeffer afirma que Cristo não é o Mestre mas sim o Formador. Talvez se olhássemos para esta afirmação partindo da interpretação de que o Mestre realmente passa conhecimento porém não se compromete com o aluno nem em seu aprendizado entenderíamos tal sentença. Isso difere um mestre de um formador: a vivência com o aluno. Rubem Alves e Gilberto Dimenstein, no livro "Fomos Maus Alunos" travam um diálogo a respeito da educação, sistemas educacionais e educadores e mostram bem essa diferença.
Retornando ao Evangelho, podemos perceber que Jesus não se preocupava apenas em transmitir sua mensagem mas preocupava-se com aqueles que estavam com Ele e que d'Ele aprendia. Jesus vivia com eles, comia com eles, eles "o tinham com eles". Daí a vivência que leva a liberdade. Não um sistema de reprodução de informações formatadas mas sim liberdade de se conhecer, refletir e questionar, não se amarrando a interpretações preexistentes. Como Formador, Deus faz-se homem, configura-se e assume o papel à imagem e semelhança de seus alunos afim de passar através de Sua vida aquilo que Ele quer para nós: liberdade. Tal como Deus fez precisamos nós, pastores e pastoras, teólogos e teólogas, seminaristas, professores e professoras, tornar-nos Formadores para com nossas ovelhas e alunos. Não podemos ter a audácia de acreditar que somos mestres, doutores ou mais entendidos que alguém, somente conhecendo a realidade de nosso povo poderemos aprender com ele e quem sabe ensinarmos algo, porém, enquanto mantivermos as barreiras que os títulos e cargos eclesiásticos nos confiam, seremos meros reprodutores de um sistema que dicotomiza para oprimir e não confronta a realidade em que está inserido.
Por fim, ao voltar nossos olhos para a nossa realidade, seja aqui no Seminário, seja em nossas comunidades ou em nossa instituição, a pergunta que cabe a nós seminaristas, pastores e pastoras, teólogos e teólogas é a seguinte: estamos nós dispostos a enfrentar as estruturas e aqueles que regem tais estruturas afim de denunciar a opressão, seja na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, nas nossas comunidades ou até mesmo no Seminário Teológico de São Paulo? Aos pastores e pastoras cabe a pergunta: estão dispostos a pagar o preço de serem separados de suas comunidades ao denunciar as opressões que elas vivem? Ou até mesmo não ter comunidades para pastorear? Aos teólogos e teólogas cabe perguntar: estão dispostos a enfrentar a realidade e romper com o discurso que legitima a instituição mas oprime o homem? Até mesmo ficar sem instituição? A nós seminaristas cabe a pergunta: estamos dispostos a pagar o preço de denunciar as opressões? Será que temos a coragem de perder um ou mais anos de seminário e até mesmo a nossa ordenação por lutar contra as estruturas opressoras que nos cercam?
Examina-te a ti mesmo, e responda a ti mesmo. Que Deus seja conosco.
Rev. Giovanni Campagnuci Alecrim de Araújo
Olhar para esta passagem do Evangelho pode parecer-nos algo de incomum. Jesus, que ao nosso entender, e segundo o senso comum cristão, é o Senhor da Paz, diz claramente que vem trazer ao mundo divisão.
Entender tais palavras de Jesus sem laçarmos nossos olhos sobre os demais relatos do Evangelho seria, no mínimo, impróprio. Sabemos que, segundo os textos dos Evangelhos, Jesus caminhava em direção à cruz. Ele, que estava intimamente ligado ao Pai e cumpria sua vontade, sabia bem o batismo que Ele haveria de passar, e sabia as conseqüências que tal passagem pela cruz traria para Ele e para o restante da humanidade.
Ao afirmar que aqueles que habitavam sob o mesmo teto estariam divididos, Jesus nos mostra as conseqüências de segui-lo. Aquele que almeja cumprir a vontade de Deus e seguir os passos de Jesus deve saber que terá que enfrentar oposição. Não trata-se aqui de uma ode à "mania de perseguição" que determinados grupos religiosos cristãos gostam de enfatizar, mas trata-se de uma ruptura com estruturas e padrões que prendem e tornam o homem um animal domado nas mãos de famílias, padrões e instituições. Quem deseja seguir a Jesus não pode servir aos desejos de um conjuntos de regras, mas deve estar ciente que segui-lo implica denunciar estruturas que oprimem.
Interessante notar que Jesus faz uso da família para demonstrar tal oposição. Qual o motivo? Talvez porque a família fosse o berço do aprendizado cultural, religioso e social. Talvez porque fosse na família que se reproduzisse melhor o discurso dos que dominavam e oprimiam. Olhando para nossa família da fé, será que não é a igreja que nos educa e nos apresenta o Jesus que conhecemos? Não é a igreja que nos mostra como nos relacionarmos com Deus? Ou será que aprendemos sozinhos? Entrando na família Presbiteriana Independente, não é ela que nos dá parâmetros para vivermos nossa fé? Vindo para a família do Seminário, não é ela que nos dá as ferramentas para que nós possamos refletir acerca da nossa igreja, da nossa IPIB e da nossa fé? Precisamos perceber que Jesus, ao afirmar que haveria divisão a partir do momento que nós passássemos pela cruz, nos abre caminho para uma dura jornada em direção à esta mesma cruz. Quem quer viver o Evangelho de Jesus deve passar por ela.
Percebemos que Jesus, ao afirmar que pai estaria contra filho e filho contra pai, não se referia apenas a uma família, mas afirmava que aqueles que regem as instituições estariam contra os regidos, e os regidos contra aqueles que regem. Os mestres estariam contra os alunos e os alunos contra os mestres. Tal confronto torna-se inevitável quando uma das partes consegue entender a mensagem do batismo pelo qual Jesus passou. Somente aquele que passa pela cruz junto com Jesus pode diferenciar o que oprime do que liberta. No capítulo quinto de sua Teologia do Século XX, Rosino Gibelini nos diz que Bonhoeffer afirma que Cristo não é o Mestre mas sim o Formador. Talvez se olhássemos para esta afirmação partindo da interpretação de que o Mestre realmente passa conhecimento porém não se compromete com o aluno nem em seu aprendizado entenderíamos tal sentença. Isso difere um mestre de um formador: a vivência com o aluno. Rubem Alves e Gilberto Dimenstein, no livro "Fomos Maus Alunos" travam um diálogo a respeito da educação, sistemas educacionais e educadores e mostram bem essa diferença.
Retornando ao Evangelho, podemos perceber que Jesus não se preocupava apenas em transmitir sua mensagem mas preocupava-se com aqueles que estavam com Ele e que d'Ele aprendia. Jesus vivia com eles, comia com eles, eles "o tinham com eles". Daí a vivência que leva a liberdade. Não um sistema de reprodução de informações formatadas mas sim liberdade de se conhecer, refletir e questionar, não se amarrando a interpretações preexistentes. Como Formador, Deus faz-se homem, configura-se e assume o papel à imagem e semelhança de seus alunos afim de passar através de Sua vida aquilo que Ele quer para nós: liberdade. Tal como Deus fez precisamos nós, pastores e pastoras, teólogos e teólogas, seminaristas, professores e professoras, tornar-nos Formadores para com nossas ovelhas e alunos. Não podemos ter a audácia de acreditar que somos mestres, doutores ou mais entendidos que alguém, somente conhecendo a realidade de nosso povo poderemos aprender com ele e quem sabe ensinarmos algo, porém, enquanto mantivermos as barreiras que os títulos e cargos eclesiásticos nos confiam, seremos meros reprodutores de um sistema que dicotomiza para oprimir e não confronta a realidade em que está inserido.
Por fim, ao voltar nossos olhos para a nossa realidade, seja aqui no Seminário, seja em nossas comunidades ou em nossa instituição, a pergunta que cabe a nós seminaristas, pastores e pastoras, teólogos e teólogas é a seguinte: estamos nós dispostos a enfrentar as estruturas e aqueles que regem tais estruturas afim de denunciar a opressão, seja na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, nas nossas comunidades ou até mesmo no Seminário Teológico de São Paulo? Aos pastores e pastoras cabe a pergunta: estão dispostos a pagar o preço de serem separados de suas comunidades ao denunciar as opressões que elas vivem? Ou até mesmo não ter comunidades para pastorear? Aos teólogos e teólogas cabe perguntar: estão dispostos a enfrentar a realidade e romper com o discurso que legitima a instituição mas oprime o homem? Até mesmo ficar sem instituição? A nós seminaristas cabe a pergunta: estamos dispostos a pagar o preço de denunciar as opressões? Será que temos a coragem de perder um ou mais anos de seminário e até mesmo a nossa ordenação por lutar contra as estruturas opressoras que nos cercam?
Examina-te a ti mesmo, e responda a ti mesmo. Que Deus seja conosco.
Rev. Giovanni Campagnuci Alecrim de Araújo
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